A Lava-Jato vive o inferno astral
Publicado em 12/09/2020 10h05 - Atualizado há 4 anos - de leitura
O coordenador da Lava-Jato no MPF de Curitiba, Deltan Dallagnol, depois de mais de 70 etapas da operação e mais de R$ 4 bilhões repatriados, deixou a força-tarefa. Ninguém é insubstituível, mas sua saída tem cheiro de punição. Manter ou não a força-tarefa é uma questão administrativa. Logo é da alçada do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, contrária à sua manutenção. É uma pena, pois, graças a ela - leia-se Deltan (punido pelo CNMP a pedido de Renan Calheiros em parceria com Gilmar Mendes) e Sérgio Moro - pela primeira vez na história, honoráveis bandidos foram processados e, muitos, já condenados.
A Lava-Jato desde a origem contestada por fisgar peixes graúdos: primeiro do PT, depois por outros partidos da base dos governos Lula e Dilma. No começo, tinha o apoio do STF, do Congresso etc: Porém, na medida em que avançou sobre outros corruptos, o min. Gilmar Mendes, por exemplo, se aliou a Lewandowski, Toffoli, Weber, Barroso, críticos mordazes dela. A Lava-Jato inibiu criminosos. Porém, se o povo baixar a guarda, os corruptos voltarão pelos caminhos descritos por Eduardo Alves Costa (No Caminho, com Maiakóvski): “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizem nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”
Deltan se afastou (problema familiar, para consumo externo). Antes, Moro se exonerou. Quanto a Moro, ao assumir ministério deu munição aos inimigos da Lava-Jato. Deltan e Moro, teriam cometido excessos. Ora, as decisões condenatórias da Lava-Jato ultrapassam a 95%. Logo, menos de 5% não se sobrepõe à regra. Mas Moro, ao deixar a magistratura para ser o político, uniu inimigos com um traço comum: saqueadores do erário público. Muito ouvi dos detratores da Lava-Jato, como: as condenações se deram apenas por indícios. Errado. Quase todas as sentenças do Moro foram confirmadas em instâncias superiores, algumas com penas majoradas. Ademais, indícios também são prova (CPP, art. 239). Já a acusação de interferência do presidente na PF, que levou Moro à renúncia, revelou-se inconsistente. Todavia, uma coisa é uma coisa (juiz qualificado), outra coisa é outra coisa (ministro sem vocação para o cargo).
Domingo passado ocorreram manifestações pró-Lava-Jato em várias cidades. Um dos cartazes dizia: “Lava-Jato punida por investigar demais?” Sim, é a operação-abafa em andamento através de Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer; do STF; dos partidos de direita à esquerda; de empresários; de mais de 100 deputados e mais de 20 senadores investigados, porque - friso - a operação enfrentou os dois maiores problemas da história: corrupção e impunidade. Porém, quando figuras como as referidas atacam a Lava-Jato, invoco Ruy Barbosa: “Há por quem vitupério é elogio”.
A obra “Operação Mãos Limpas” (Gianni Barbacetto e outros) retrata o fim melancólico da operação italiana, similar à Lava-Jato. Diz: “A Operação Mãos Limpas, conduzida em Milão por um pool de cinco juízes, entre 1992 e 1994, produziu cerca de 1.300 declarações de culpa, entre condenações e acordo definitivos ... O percentual de absolvições no mérito foi em torno de 5% a 6%. O resto, cerca de 40% salvaram-se graças à prescrição, às sutilezas processuais ou às modificações legislativas, feitas sob medida.” Portanto, acorda brasileiro! Não haverá outra Lava-Jato. No país, a maior ameaça vem do próprio STF (a última: exclusão de Jucá e Raup da Lava-Jato). Ora, enquanto os juízes federais julgaram mais de 200 pessoas por corrupção, o Supremo julgou apenas uma. Logo, qualquer semelhança entre Brasil e Itália não será coisa do acaso.