O simbolismo da encampação da Bond & Share

Publicado em 15/02/2021 11h38 - Atualizado há 3 anos - de leitura

A história só é digna do seu nome quando subordinada a fatos passados fidedignos. É esse caminho que passo a percorrer, ciente, entretanto, de estar pisando sobre terreno movediço, como, aliás, muitas vezes são as narrativas que carregam versões com aparentes verdades. Sempre foi assim. George Orwell, autor da célebre A Revolução dos Bichos, resumiu a questão a uma simples frase quando repercutia o protagonismo da política, das revoluções e das guerras: “A história é contada pelos vencedores”. Em que pese o exagero que toda a generalização carrega, na histografia encontramos, não raro, narrativas que se confundem com história, quando não, deturpam a própria história. A respeito, com a permissão dos que mais sabem, entre os quais não me incluo, história, segundo clássica definição, é a ciência responsável por estudar os acontecimentos passados ou - para mim, melhor ainda - que estuda o homem e sua ação no tempo. Já narrativa, grosso modo, é versão. Logo, é manipulação da história posto que sem lastro na verdade. Na vida política transita, sem embargo, que mais importante que o fato é sua versão. Logo, narrativa impondo sua história pelo convencimento ou pela censura, e a partir daí, cada um com sua verdade, não é história.

Fiz essa introdução para chegar a um fato, o qual, inclusive para mim, era história sem reparo e, mais que isso, história para ser rememorada como exemplo de determinação e bravura. No entanto, para meu desencanto, depois de mais de 60 anos da narrativa, descobri que se tratava de versão e, portanto, como toda versão, sem compromisso com a verdade dos fatos. Todavia, ante a reiteração da versão fantasiosa ao longo do tempo, transitou em julgado. Refiro-me à encampação da norte-americana Bond & Share (energia elétrica) pelo Estado do RS, através do seu então governador Leonel Brizola. A mudança de mão da propriedade do sistema elétrico, passando a ser CEEE, teria se plasmado por dois acontecimentos com repercussão mundial: 1) a proeza da encampação em apenas 103 dias de administração estadual de Brizola; 2) o pífio valor da desapropriação (Cr$ 1,00), + ou - R$ 1,00 em moeda brasileira atual.

Quem demostrou que os dois pontos realçados da encampação da Bond & Share eram versão, foi Lauren dos Reis Bastos na Dissertação de Mestrado em História perante a Universidade de Passo Fundo. Para a professora, Brizola apenas carimbou a encampação que havia sido minuciosamente preparada pelo governador anterior, Ildo Meneghetti, só não consumada por este pelo entrave burocrático federal que se atravessou. Já quanto ao valor da indenização, também revelou Lauren ser folclore. Para a mestra, Meneghetti foi quem “buscou estruturar administrativa, política e juridicamente não só a encampação, mas também a desapropriação da companhia ...”, que só não se consumou - friso - em seu mandato porque dependia de parecer do Conselho Nacional de Energia Elétrica, órgão federal, que só o liberou em 1959 quando o RS estava sob a chefia de Brizola. Já a indenização (Cr$ 1,00), foi valor provisório dado à causa (toda causa tem um valor). Em verdade, o juiz do feito exigiu - e foi atendido, para conceder imissão provisória na propriedade – “depósito de Cr$ 20 milhões.”

Brizola, governador (1959-63), todas as sextas-feiras à noite, em rede comandada pela Rádio Farroupilha, a principal emissora do RS na época, falava para os gaúchos. Não havia casa sem rádio ligado. A encampação da Bond & Share tornou-se pauta por meses. Mais: virou grife. Estranho, porém, foi o silêncio da oposição à encampação. Talvez porque o ato simbolizasse nacionalismo, mas também desgaste, tanto que L. Gordon, embaixador dos EUA no Brasil, dizia que a ação representava ameaça aos interesses do seu país. Enfim, a narrativa, erigida à condição de fato histórico, continua questão de honra para os discípulos de Brizola, razão pela qual, na privatização do que restou da CEEE, a ineficiência do serviço que presta é irrelevante. A encampação de 1959 contribuiu para que Brizola se tornasse um mito, e mitos têm seguidores.

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