Noel Guarany, o rebelde

Publicado em 07/08/2021 09h33 - Atualizado há 3 anos - de leitura

O Museu da Língua Portuguesa foi quase totalmente destruído por um incêndio em 2015. Ele está localizado em São Paulo, a cidade com o maior número de falantes do português no mundo, e foi reinaugurado com festa. É um importante centro de integração cultural e comercial para os países que falam a nossa língua. No evento, inúmeros artistas e políticos (até Lula, Fernando Henrique e Michel Temer compareceram). A reinauguração (no último sábado, 31) também contou com a presença do ministro da cultura de Angola e dos presidentes de Cabo Verde e Portugal. A presença dos chefes de Estado dá a ideia exata da importância do evento para os países de cultura lusófona. O atual presidente brasileiro não compareceu, e nem mandou representante.

Nenhuma surpresa, não é?

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Noel Guarany (que viveu um curto período aqui em Santa Rosa), é uma lenda da cultura missioneira. Além de criador de um estilo musical inconfundível e visionário, foi um defensor dos pobres, dos perseguidos pela ditadura, dos indígenas e um apaixonado pela liberdade. Um rebelde que nunca se enquadrou, nunca obedeceu a quem quer que seja, nem mesmo a partidos políticos. Seu momento de maior reconhecimento coincidiu com o período em que o Brasil tentava se livrar da ditadura que já durava duas décadas. Ele participou ativamente dos movimentos pró-democratização. Sua música, muito além das circunstâncias políticas daquela época, tornou-se imortal.

Pois agora, numa iniciativa do produtor Leonardo Gadea, de Santa Maria, surge o documentário “Minhas andanças – Noel Guarany”. O filme, aliás, já é “doble-chapa” (expressão que designa produções culturais feitas em português e espanhol). Os castelhanos também querem conhecer melhor as origens da música missioneira, da qual fazem parte. Por iniciativa dos produtores, o documentário está disponível gratuitamente no Youtube, no canal Gadea, com o título “Minhas andanças – Noel Guarany (documentário)”. Divirta-se.

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Tive a oportunidade de conversar com Noel Guarany em diversos momentos, aqui em Santa Rosa e também lá nas ruínas de São Miguel. Além de ouvi-lo tocar e cantar — algo de que nunca vou esquecer —, eu ficava impressionado com sua linguagem direta, sincera e sem rodeios. Não fazia questão de agradar. Detestava puxa-sacos e bajuladores, mas tratava a todos com respeito. Às vezes, parecia um sujeito rude. Mas, logo esta impressão se dissipava. Era, no íntimo, um sujeito amável, até afetuoso.

Mas para além da personalidade peculiar, Noel Guarany será sempre lembrado por ser um dos pilares da música missioneira, especialmente por conta das parcerias com Jayme Caetano Braun e Cenair Maicá. Em vida foi um verdadeiro embaixador do cantar gaúcho, circulando por todos os países da América do Sul. Em quatorze discos, tornou universal a música que surgiu por estas bandas.

A música missioneira (o nome tem tudo a ver com as missões, certo?) ainda está merecendo um grande documentário, um grande registro cultural. Ela é única. É ímpar, com sonoridades que remontam aos índios e padres jesuítas.

A inspiração de Noel, acredito, tem mesmo origem na mistura de música sacra, música indígena e ritmos latinos. Um caldo de cultura belíssimo. Na época da colonização, o lendário padre Antônio Sepp (falecido em 1733) formou milhares de músicos nas reduções, e cantar se tornou uma prática cotidiana. Os indígenas gostavam de cantar em qualquer lugar. Noel Guarany, pois, tratou de dar à música gaúcha a sua face indígena, e deixou, felizmente, uma grande herança para artistas como Jorge Guedes, Ortaça, Marenco, e tantos outros.

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