Novo acordo
Publicado em 17/04/2021 10h39 - Atualizado há 3 anos - de leitura
Conforme informações do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal, a tabela do Imposto de Renda apresenta uma defasagem atual de 113%. O tema é importante porque estamos no período em que milhões de brasileiros têm de fazer a sua declaração ao fisco.
Como a tabela não vem sendo atualizada, uma pessoa que ganha 1.904,00 reais já paga o imposto. A alíquota começa com 7,5% e vai até 27,5%, de acordo com a faixa salarial, em valores descontados na fonte. Em outras palavras, quem ganha dois salários mínimos se vê obrigado a pagar o imposto que, em tese, seria sobre a “renda”. Mas, cá entre nós, dois salários mínimos é “renda” ou é subsistência?
Nem preciso dizer que o tal imposto reduz a disponibilidade de salário, e, por consequência, também o dinheiro em circulação. O poder de compra é menor. Parte do imposto “descontado” no salário pode até retornar, no ano seguinte, de acordo com eventuais abatimentos legais. Isso significa que há um “empréstimo” compulsório do trabalhador para o governo, durante um ano. O restante recolhido na fonte nunca volta.
Isso faz lembrar uma frase do saudoso Millôr Fernandes: “Me arrancam tudo à força, e depois me chamam de contribuinte”.
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A circulação de dinheiro como forma de ativar a economia é regra da qual ninguém duvida. Eis um exemplo bem recente: com a crise se somando à pandemia, a economia da Argentina vem sofrendo tanto quanto a brasileira, mas lá o governo e o Congresso tomaram uma decisão inovadora. A tabela foi atualizada dias atrás, e 93% dos trabalhadores argentinos agora estão isentos do imposto de renda.
A justificativa é simples. Sobra mais dinheiro no bolso de quem trabalha, e esta grana faz a economia respirar, isto é, vai para a lojinha de roupas, para o mercadinho da esquina, para a fruteira, e assim por diante. O governo perde num primeiro momento, mas recebe mais com a economia ativa.
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Isso faz lembrar o que ficou conhecido como “New Deal” (Novo Acordo) e que aconteceu nos Estados Unidos em 1929. A crise da época tinha jogado os EUA na maior recessão da sua história. Planos liberais tinham afastado o Estado da economia, e a fome e o desemprego tinham se alastrado.
O que fazer? Esta era a pergunta que todos faziam. A resposta veio de um economista britânico chamado John Keynes (que era um liberal), inspirado numa experiência acontecida na Rússia, e recebeu o apoio total do presidente Roosevelt. O plano, em termos gerais, era reativar a economia. Estímulo ao emprego, investimento em obras de infraestrutura e fortalecimento dos sindicatos formaram o tripé do acordo, que também incluiu controle dos bancos, crédito agrícola e criação de mecanismos de proteção social. Centenas de obras públicas foram iniciadas.
O plano deu certo, e a economia americana se recuperou brilhantemente.
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Olhando para o Brasil de hoje, algo parece inevitável. Cedo ou tarde teremos de fazer um “novo acordo” tupiniquim. O país está com a economia muito enfraquecida. Politicamente, a divisão é brutal e paralisa o país. Reformas trabalhista e previdenciária não alcançaram resultados palpáveis. Não existe um plano de governo, nem mesmo a curto prazo. A sensação que todos temos é que não há uma luz no fim do túnel, isto é, estamos na base do “salve-se quem puder”. O futuro parece não existir.
Pensando bem, está na hora de começar a pensar num acordo. Ou estaremos desistindo do Brasil...