Toda Carta em defesa da democracia, que tenha por farol
o poder do povo, tem meu apoio incondicional. No caso,
porém, avaliando seu conteúdo, a Carta me remete a Rui
Barbosa, que, sobre falsos defensores da liberdade, nos legou
uma frase lapidar: “Entre tantos que te trazem na boca, sem te
sentirem no coração ...” Ora, para ser democrata não basta elogiar
a democracia, pregar o direito de manifestação, defender urnas
eletrônicas, combater as armas de fogo etc. Aliás, questionar as
urnas, defender o uso de armas etc é um direito constitucional.
Logo, nisso não há espaço interpretativo como ameaça à democracia.
Em resumo, à Carta em comento aplica-se a frase do Lauro
Quadros (Rádio Gaúcha): “Se parece com o biquíni: mostra tudo,
menos o essencial.”
 Ora, o rótulo é de menos, o que conta é o produto que cada um
estrega (termo da moda). Nesse norte, Públio Beltrame, o popular
Borrego, tem um ditado que vem a calhar: “Quanto maior o barulho
de louça, menor a quantidade de boia”. Traduzindo, quem mais
fala em democracia, é quem, em geral, menos a pratica. Mutatis
mutandis, aqueles que mais clamam por liberdade, são, em geral,
os mesmos que mais a tolhem - v.g. os tiranos de Cuba, Venezuela,
Coreia do Norte e, começando a exibir suas manguinhas,
os presidentes do Chile e da Argentina.
 Por outro lado, é comum a opinião de pessoas sobre matérias
que desconhecem. Por isso, li a Carta de fio a pavio. Quanto à
ideia, nada contra. Melhor regime que a democracia não foi encontrado.
Porém, para meu desencanto, não encontrei (talvez pelo
cansaço dos meus olhos) uma palavra sequer sobre o Mensalão
e a Lava-Jato, operações que apuraram, nos governos passados,
os maiores escândalos de corrupção da história, estes sim que
provocam corrosão da democracia. De igual sorte, nem uma
vírgula sobre José Dirceu, o ideólogo do PT, que afirmou sem
vacilo: “Eleição não se ganha, se toma”. Nossa! Mas, para os
missivistas, não é ameaça.
 Também não encontrei uma palavra sobre os R$ 11 bilhões que
os governos Lula/Dilma - via BNDES, com o aval Brasil - “emprestaram”
a Cuba (Porto de Mariel) e Venezuela (Metrô de Caracas).
Assim como nenhuma reprimenda àqueles que aplaudem Ortega
(Nicarágua), que prende religiosos; Boric (Chile), que incendeia
igrejas; Castro (Cuba), que há mais de 50 anos governa com partido
único (o PC), órgão máximo de decisões, e somente permite o
funcionamento da imprensa chapa-branca.
 Outrossim, nada sobre o desrespeito à Constituição Federal em
marcha, por obra de quem deveria guardá-la: o Supremo Tribunal
Federal. A propósito, lembro o impeachment da Dilma. Os presidentes
do Senado, Renan Calheiros, e do STF, Francisco Lewandowski,
editaram a cassação como determinara o plenário, preservando,
no entanto, os direitos políticos da Dilma. Uma aberração. Um
erro inaceitável para um aluno do 2º ano do curso de Direito. Uma
vilania do Renan avalizada pelo ingênuo Lewandowski, o ministro
guardião da CF naquela sessão. Que guardião!
 Por outro lado, embora posterior à Carta, mas continuidade do
que há muito ocorre, o ministro do STF, Alexandre de Moraes,
usurpando poderes do Ministério Público e avocando para si
ações contra pessoas sem foro privilegiado, mandou a Polícia
Federal invadir escritórios e residências de empresários, pelo
“crime” - pasmem! - de pensamento, uma inovação do ministro,
e com o silêncio dos democratas de plantão.
 Ainda uma pergunta: como os professores da USP, coautores
da Carta, ao voltarem à cátedra, vão explicar (i) coerência entre
democracia e aplauso - ainda que silencioso - aos regimes de
Cuba, Venezuela etc; e (ii) nenhuma palavra sobre o programa
de governo do candidato do PT à presidência sobre regulação da
mídia, ou seja, um eufemismo de censura prévia.
 Por fim, como não há democracia pela metade, ao omitir fatos
relacionados com sua ameaça, como apontados no caso sob
exame, a Carta se revela tendenciosa e medíocre.