O vídeo da discórdia, as reuniões fechadas e a liturgia do cargo
Publicado em 12/06/2020 11h35 - Atualizado há 6 dias - de leitura
Aqui, há pouco, comentei en passant a reunião realizada dia 22 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro com seus ministros, a última com a presença do ministro Sérgio Moro, da Justiça. Como todos sabem, o ex-juiz da Lava-Jato deixou o governo denunciando ingerência do chefe do Executivo da União na Polícia Federal. O Brasil assistiu a tudo, atônito. Afinal, deixava o governo, acionando metralhadora giratória, um dos seus avalistas morais. Por isso, no primeiro momento tive a sensação, e não só eu, de que se tratava do começo do fim do governo. Também achei, pelo tom das denúncias, que o Dr. Moro tinha provas devastadoras. Não as apresentou na derradeira entrevista, mas disse que estavam no vídeo da fatídica reunião referida, mais tarde requerendo fosse juntado ao inquérito instaurado no STF em decorrência de representação a respeito.
Travou-se, então, uma queda de braço: Moro queria a divulgação do vídeo na íntegra; Bolsonaro, não. Para o presidente, a reunião havia tratado também assuntos de Estado, alheios, portanto, à desavença. O ministro Celso de Mello, do STF, que preside o inquérito sobre as denúncias do ex-ministro da Justiça, autorizou a publicação do vídeo com leves cortes. A mídia mobilizou a população. Porém, ao ouvir a gravação, fiquei surpreso com a falsa expectativa criada. Sobre a reunião, pouco além dos “pitos” do superior e da colega Damares Alves ao agora ex-ministro. Em suma, o que é lamentável para a sua história, o vídeo enfraqueceu o grande ex-juiz da Lava-Jato. Chama atenção que Bolsonaro, na reunião, olhava para Moro cobrando uma posição do ministro sobre direitos humanos de pessoas algemadas e jogadas no chão por milícias de prefeitos e governadores, por desrespeito a regras restritivas no controle social contra o coronavírus, sem reação do então ministro da Justiça. Logo, restava-lhe deixar o governo.
Outrossim, é, no mínimo, prudente que assuntos de Estado, por isso tratados em reunião fechada, não sejam divulgados. O ministro Celso de Mello, que preside o inquérito das denúncias do ex-juiz, fez o contrário. No entanto, a divulgação da gravação foi boa para Bolsonaro e, melhor, para seus eleitores. Ficou claro que o presidente cobrou de todos os ministros promessas de campanha. Por isso, a divulgação, especulada como uma bomba arrasa-quarteirão, virou traque. Aliás, o tema virou piada, como: 1) o ministro, ao se aposentar do STF, vai assumir a Comunicação do governo, como retribuição ao bem que fez a Bolsonaro; 2) a Justiça Eleitoral deveria suspender a publicação do vídeo por ser propaganda antecipada. Ah, e os palavrões? Bem, palavrão de presidentes não é surpresa. O único presidente “certinho”, segundo pessoas que cobrem o Planalto, foi José Sarney - que não é nenhum modelo ético - talvez por seguir a liturgia da Academia Brasileira de Letras para a qual foi conduzido por Marimbondos de Fogo.
Bolsonaro anunciou que as reuniões passariam a ser abertas, transmitidas em tempo real. Só o tempo dirá do acertou ou não. A primeira reunião com novo formato, dia 09/06, foi excelente. Uma agenda positiva. No entanto, é preciso calma. O STF, há 10 anos transmite suas sessões pela TV Justiça – com muito “respeito”, claro -, como “V. Ex.ª é uma mistura do mal com ... pitadas de psicopatia” (Barroso para Gilmar). Quer dizer, ofensa, se precedida de tratamento cortês (V. Ex.ª), pode. Se Bolsonaro tivesse colocado “Ex.ª” antes do estrume, não seria hostilizado. Seu erro foi chamar Wilson Witzel de “estrume” sem, antes do cargo (governador), ter usado o pronome de tratamento (V. ou S. Ex.ª). Por exemplo, tivesse dito S. Ex.º governador/RJ é estrume, a liturgia do cargo estaria preservada. A hipocrisia, também.